Reportagem: Caroline Cabral
Durante os seis anos em que fui assistente
administrativa de uma ONG, perambulei com meu Gol ano 2000 pelas oficinas
mecânicas da cidade. Nunca tive um mecânico de confiança, pulava de galho em
galho tentando arrumar meu carrinho capenga. Eu não sabia dar nome aos
problemas que encontrava, chamava de “um barulho estranho” ou dizia que ele
simplesmente não andava direito. Os mecânicos espertalhões cresciam em cima da
minha ingenuidade, cobrando caríssimo para dar fim em problemas que sequer
existiam. E o pior é que o motivo da minha reclamação voltava em poucas semanas!
É difícil mensurar quantas vezes essa cena se
repetiu na minha vida, certamente pra lá de dez. Nunca esqueci de uma, a gota
d’água. Fui até uma oficina conhecida por vender peças mais baratas por não serem
originais. Meu carro estava sem força, disseram que o problema era com o kit de
embreagem, então o troquei. Liguei o carro e logo percebi que estava tudo na
mesma. Dei uma volta no quarteirão e chamei o gerente para andar comigo. Era
fato, nada havia mudado. Depois de muito discutir, os mecânicos apontaram um
problema bem mais simples e o resolveram como se me fizessem um favor. Mas eu
já tinha pagado por um kit caro e desnecessário, me senti completamente
enganada! Saí de lá bastante chateada. Estava determinada a não ser passada pra
trás de novo.
Comecei
a estudar mecânica
Acredito que se algo não está bom, a solução é melhorar
com as próprias mãos. Assim que voltei da licença-maternidade, em 2013, fui
demitida. Então, procurei cursos de mecânica no SENAI. Passava na unidade da
cidade toda semana perguntando sobre novas turmas, até que em julho consegui
uma vaga! O primeiro dia de aula foi bastante constrangedor. Entrei em um sala cheia
de homens e todos me olharam dos pés a cabeça como quem diz: “o que você pensa
que está fazendo aqui?”. Eu era a única mulher e até o professor me desafiou: “conto
nos dedos o número de mulheres que começou e terminou esse curso”, disse.
Não me abalei. Além de prestar muita atenção nas
aulas, me matava de estudar em casa. Fora as quatro horas no curso, passava mais
quatro lendo apostilas, vendo vídeos e tirando minhas dúvidas. Aprendi os
princípios básicos da engenharia do motor, da construção ao funcionamento.
Depois veio o sistema elétrico, injeção eletrônica, arrefecimento e outras áreas
mais específicas. Meu empenho foi tamanho que cheguei a ser citada como exemplo
da turma: “vocês deveriam fazer como a Daniella aqui, que é mãe de um
recém-nascido e dá um baile em vocês”, pontuou o mesmo professor que me
desafiou lá atrás. O curso durou três meses e custou cerca de R$ 500, mas ainda
não foi suficiente para eu sentir segurança consertando um carro.
Fui
estagiária de uma oficina antes de abrir a minha
Para entender o funcionamento de uma oficina e
escolher um ramo para me especializar, passei um ano como estagiária, sem remuneração.
Eu fazia de tudo, sem pudor. Foi excelente para meu crescimento profissional! Depois
de um ano escolhi seguir com a mecânica básica e suspensão.
O dono de onde eu estagiava me cedeu uma área da oficina
para que eu fizesse a troca de óleo para a mulherada. Comprei R$ 500 em material
e com o lucro passei a prestar o serviço também em domicílio. A mão de obra vinha
toda para mim, o que aumentou minha renda. Com ajuda da família, aluguei um
ponto pequeno em outubro de 2014 e abri o Rapidão Troca de Óleo. Comecei a
fazer serviços básicos de suspensão, que não exigiam equipamentos como o
elevador.
Meu
diferencial é o atendimento: didático e personalizado
No começo da oficina eu tinha cerca de 30 clientes, suficiente
para personalizar o atendimento. Depois que as mulheres saíam daqui, eu sempre perguntava
sobre o funcionamento do veículo. Não vou mentir, alguns voltaram com falhas e
eu corrigi numa boa, sem custos extras. Isso fidelizou meu público, mas não foi
só isso. O fato de eu explicar tudo que está sendo feito, porque e como, deixa
as mulheres mais seguras sobre o serviço que está sendo prestado. Quando a cliente
não fica na oficina para acompanhar o reparo, filmo tudo que é feito e envio a
ela por Whatsapp.
Em outubro de 2015 aluguei um novo espaço e pude
expandir o atendimento. Adquiri dois elevadores, um compressor, mobília interna
e ferramentas para uso diário. Hoje mexo com toda a suspensão do carro, freio, embreagem,
troca de óleo e estou começando a entrar na parte de injeção eletrônica. Também
abri um lava-jato exclusivo
para mulheres. A ducha no carro está embutida em todo serviço que prestamos,
mas quando o valor final ultrapassa R$ 200, entrego o veículo com uma lavagem
completa!
Não só atendo homens como tenho um mecânico na
equipe! Vou confessar que não é fácil lidar com os caras que querem sugerir o conserto
mais rápido – e não o mais seguro – para as clientes. Eu bato o pé; aqui não! Não
passei tanto tempo estudando para enganar outras mulheres, fiz isso para que
elas tivessem uma mecânica de confiança. O resultado disso eu vejo a cada dia. Minhas
clientes indicam e elogiam meu serviço por tratar-se de um ambiente feminino e acolhedor.
Em março, recebi o Prêmio SEBRAE Mulher de Negócio
em reconhecimento ao diferencial da minha oficina. Estou tão feliz com a nova
profissão que pretendo abrir uma filial para ver a mulherada consertando carros,
todas sujas de graxa e com um sorriso no rosto. Agora que virei minha própria
mecânica, posso garantir que não há nada que a gente não possa fazer!
Daniella Maria Lima, 38 anos, mecânica, Rio Branco, AC
DA REDAÇÃO
Confira o valor dos serviços mais procurados na oficina da Daniella:
1 Troca de óleo e filtros – média de R$ 100
2 Troca da correia dentada, responsável pelo
sincronismo do motor – média de R$ 220
3 Troca de pastilhas de freio – média de R$ 50
4 Troca de jogo de cabos e velas de ignição – média
de R$ 150
27/10/2016 - 21:19